quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A Profissionalização da Administração Pública

BREVE HISTÓRICO
No Brasil, a maioria dos cargos de confiança e de direção na Administração Pública são de
livre nomeação. Tal sistemática possui fundamentos históricos e culturais calcados no legado
colonial de organização e funcionamento do Estado, que impôs fortes traços cartoriais,
patrimonialistas e clientelistas ao serviço público nacional.
Até poucos anos, o acesso ao serviço público era, majoritariamente, feito por intermédio de
arranjos políticos ou administrativos que, posteriormente, eram transformados em cargos
definitivos, sem haver uma preocupação maior com a profissionalização, a produtividade e a
eficiência do setor público.
Ainda hoje, o sistema de cargos de confiança no Brasil é utilizado como forma deacomodação de interesses políticos, sendo que as várias tentativas de implantação de um setor
público profissionalizado, baseado no mérito são consideradas “tardias e inconclusas”,
conforme Pacheco (2002).
Segue, um breve relato cronológico dos principais momentos do processo de
profissionalização do serviço público no Brasil.
Em 1938, durante o Estado Novo, Getúlio Vargas criou o Departamento de Administração do
Serviço Público (DASP), órgão previsto pela Constituição de 1937 e diretamente subordinado
à Presidência da República, com o objetivo de “aprofundar a reforma administrativa destinada
a organizar e a racionalizar o serviço público no país”.
A partir dos esforços do DASP, aprofundou-se a implantação de uma burocracia com
características “weberianas” (ou seja, no conceito do poder racional-legal, baseado no caráter
legal das normas e regulamentos; no caráter formal das comunicações; no caráter racional e
na divisão do trabalho; em rotinas, normas e procedimentos padronizados; na competência
técnica e meritocrática; na especialização da administração, que é separada da propriedade; na
completa previsibilidade do funcionamento da organização; na profissionalização dos
servidores e/ou empregados; na idéia de carreira estruturada; na hierarquia funcional ou de
autoridade; e no “universalismo de procedimentos”), mas que, como resultado do
enfrentamento com os interesses clientelistas e patrimonialistas, deu origem a um “duplo
padrão” de competências e remunerações, que perdura até os dias de hoje, entre os altos
escalões e os níveis médio e inferior.
Durante os anos 1950, com o projeto desenvolvimentista (do segundo governo Vargas e do
governo Juscelino Kubitschek) e o surgimento das grandes empresas estatais, o duplo padrão
foi mantido, mas houve uma elevação no desempenho e da profissionalização do serviço
público.
Nos anos 1960, com a ditadura militar e com uma agenda internacional baseada na
tecnoburocracia e no fortalecimento das áreas financeira e econômica, o Estado ampliou a
administração indireta e a profissionalização do setor público, implementando uma Reforma
Administrativa em 1967, de modo a conter a hipertrofia do aparelho do Estado, mas sem
grandes sucessos.
Com a Constituição de 1988, há um retorno do clientelismo, basicamente, pela transformação
de diversas formas de emprego público em serviço público estatutário.
Porém, no início dos anos 1990 (durante o governo Collor), houve um processo explícito de
“desorganização” do serviço público e de “institucionalização” da corrupção, calcados em um
discurso de “modernização e de combate aos marajás” (servidores públicos com altos
salários).
Em 1995, quando Bresser Pereira apresentou o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado”, surge uma agenda nacional de discussões sobre o papel do Estado, as políticas de
gestão pública e a modernização e a profissionalização da Administração Pública.
De lá para cá, verifica-se um processo de busca pelo incremento gradual do nível de
profissionalização do serviço público, seja pela criação de novas carreiras, seja pela realização
de concursos públicos de forma periódica, seja pelo fortalecimento das escolas públicas, seja
pela aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja pela criação da Comissão de Ética
Pública e da elaboração do Código de Conduta da Alta Administração Federal.
NOVA CONCEITUAÇÃO
Conforme Gaetani (2007)5, a nova conceituação do problema da profissionalização do serviço
público tem adotado uma abordagem do tipo “contingencial”, com a utilização de soluções
que possam contemplar de forma equilibrada: a) quadros de carreira; b) contratos provisórios;
c) cargos de confiança; d) contratos especiais (Reino Unido); e) cooperativas de mão-de-obra;
f) fundações universitárias; e g) organismos internacionais (1995-2002).
Nessa abordagem, a eficácia da administração governamental está associada a um conjunto de
opções que estão à disposição do gestor público, de modo a serem empregadas conforme a
adequação, a oportunidade, os prazos, as estratégias e os recursos existentes; sendo que cada
alternativa apresenta características específicas – vantagens e desvantagens – que devem ser
avaliadas e utilizadas conforme a situação-problema requisitar.
Para Farias e Gaetani (2002), também há um consenso de que, atualmente, as principais
formas de atuação da Administração Pública de modo a alcançar uma maior
profissionalização dos servidores públicos incluem:
“a) a institucionalização do princípio do mérito nas políticas de
recrutamento, seleção e promoção de funcionários;
b) o gerenciamento informado da força de trabalho do setor
público bem como de suas necessidades de alocação e
dimensionamento;
c) a gestão integrada dos aspectos organizacionais, financeiros e
de pessoal envolvidos na implementação de uma política de
recursos humanos;
d) a realização de investimentos sistemáticos e em larga escala em
recursos humanos através da promoção de programas de
capacitação orientados para dirigentes, quadros de carreira e
empregados públicos em geral; e
e) a adoção generalizada de mecanismos de avaliação de
desempenho vinculando remuneração diferenciada a resultados
satisfatórios.”
Conforme Farias e Gaetani (ibidem), a realização periódica de concursos para o ingresso no
setor público deve ser acompanhada da formulação de “uma política integrada e abrangente
de Recursos Humanos, de forma a conferir maior organicidade e coesão à Administração
Pública Federal”.
Sendo que essa integração das políticas de recursos humanos às demais políticas públicas
deve ser realizada de modo a contemplar, de forma articulada, três dimensões: a) do
dimensionamento e especificação da força de trabalho; b) das estruturas e arranjos
organizacionais; e c) do impacto financeiro de decisões tomadas na esfera de gestão de
pessoal.
Ainda conforme Farias e Gaetani (ibid), a “profissionalização é um processo permanente, que
5 Palestra sobre “Políticos e Burocratas no Século XXI”, realizada dia 02 de março de 2007, na Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP).
demanda contínua capacitação institucional” e que deve estar associado a um conjunto de sete
princípios capazes de assegurar:
1) a institucionalização da preocupação com o foco em resultados, em
substituição à excessiva preocupação com procedimentos;
2) que os conteúdos das capacitações sejam renováveis e devam ser adaptados
para atender a novas necessidades;
3) o desenvolvimento de programas de capacitação que possibilitem uma
mudança de atitude do público alvo na direção de seu próprio autodesenvolvimento;
4) estruturas funcionais e organizacionais que favoreçam o aprendizado
contínuo;
5) estruturas e pessoas capazes de trabalhar com a perspectiva de adaptação
permanente, em função do fato de que o ambiente de mudanças exige
constante readaptação;
6) o desafio de perseguir, sistematicamente, ganhos de produtividade crescente;
e
7) o desenvolvimento e a criação de redes de ensino e aprendizagem que
possibilitem o aprendizado em comunidades de profissionais afins
(comunidades de prática).
CONCLUSÃO
O desenvolvimento sustentável do país e a agregação de valor público e democrático ao setor
governamental brasileiro passam por um processo de profissionalização da Administração
Pública, de modo a prover a necessária agilidade, competência e responsabilização dos
agentes e das estruturas de gestão pública.
Com isso, espera-se que a profissionalização do serviço público, baseada, principalmente, na
generalização de processos meritocráticos, da capacitação continuada e da avaliação de
desempenho (individual e das organizações) contribua para a eliminação de práticas
patrimonialistas, clientelistas e de “rent seeking” e possa elevar os patamares de
racionalidade, de produtividade, de transparência, de abrangência, de qualidade e de
efetividade dos serviços e das políticas públicas.
BIBLIOGRAFIA
FARIAS, Pedro César Lima de & GAETANI, Francisco. “A política de recursos humanos e a
profissionalização da administração pública no Brasil do século XXI: um balanço
provisório”, Lisboa: CLAD, 2002.
GAETANI, Francisco. “Políticos e burocratas no século XXI”, Brasília, 2007 (mimeo).
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO (MPOG), “Boletim
Estatístico de Pessoal - BEP”, nº 126, Brasília: MPOG, out/2006.
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE),
“Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, Brasília: MARE, 1995.
PACHECO, Regina Silvia. “Mudanças no perfil dos dirigentes públicos no Brasil e
desenvolvimento de competências de direção”, Lisboa: CLAD, 2002.
----------------------. “Política de recursos humanos para a reforma gerencial: realizações do
período 1995-2002”, Revista do Serviço Público, Ano 53, Número 4, Brasília: ENAP, outdez/
2002.

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